Ruínas de cidade cearense submersa pelo Castanhão reapareceram há 12 anos

Por Thatiany Nascimento 15/02/2025 - 08:59 hs
Foto: Thatiany Nascimento
Ruínas de cidade cearense submersa pelo Castanhão reapareceram há 12 anos
Ruínas de cidade cearense submersa pelo Castanhão reapareceram há 12 anos

Uma parada de ônibus, na altura do quilômetro 287 da BR-116 no Ceará, com uma entrada triangular, sinaliza o caminho para chegar na velha Jaguaribara. Por lá, adentrando cerca de 18km em uma estrada carroçal, é possível rememorar a cidade submersa. O município no sertão cearense, em 1995, começou a ser afetado pela construção do maior Açude do Brasil, o Castanhão. Em 2001, foi demolido. Desapareceu em 2004, quando as águas da barragem inundaram completamente o território. Mas, em 2013, as ruínas ressurgiram. 

Naquele momento, quando vieram à tona inúmeros fragmentos da velha cidade, emergiram também saudades, lembranças, pertencimento e conexões. Era como descobrir um tesouro afundado, disseram ao Diário do Nordeste os saudosos moradores da antiga sede. 


Desde 2001, a população transferida vive a 50km do local, na nova cidade que é toda planejada. O sentimento era de redescoberta ainda que o encontro tenha sido com resquícios já bem fragmentados. As ruínas tornaram-se monumentos e são até hoje revisitadas periodicamente. 

Após visitar o Vale do Jaguaribe por 4 dias, no fim de janeiro de 2025, o Diário do Nordeste publica nesta semana uma série de reportagens reconstituindo a história que conecta o Castanhão, a maior barragem do Brasil, e Jaguaribara, cidade que deu lugar ao açude. As matérias abordam a mobilização, tensões e memórias dessa relação que, após mais de 30 anos, guarda um misto de percepções: o êxito de morar na primeira cidade planejada do Ceará e a saudade da antiga sede, típica do interior e margeada pelo Rio Jaguaribe.

Legenda: Ruínas que surgiram de Jaguaribara em 2013 Foto: Rafael Crisóstomo/Centro de Documentação do Sistema Verdes Mares (Cedoc)

A cidade ressurgiu quando o nível do Castanhão baixou de forma contínua. Vale lembrar que, nesse ciclo, em 2009 a barragem estava com quase 100% de água armazenada e em seguida foi baixando esse volume. Em 2013, o reservatório que tem capacidade de armazenar 6,7 bilhões de metros cúbicos (m³) de água, ficou abaixo de 50%. As ruínas reapareceram justamente nesse período de estiagem. 

A notícia chegou, relataram moradores ao Diário do Nordeste, através de pessoas que ainda percorriam a antiga estrada que dá acesso à velha cidade. “Jaguaribara reapareceu”, corria boca a boca a informação. E o antigo território começou a receber visitantes, não só os jaguaribarenses, também turistas nacionais e internacionais. Muitos chegavam por água, com embarcações partindo da parede do Castanhão. 

castanhão

A cidade velha ressurgiu

No local, foi constatado estruturas de casas, restos de tijolos e telhas. Sobras das demolições ocorridas em 2001, quando a cidade foi desocupada pelo Governo do Ceará e os moradores partiram de lá entre julho e agosto. 


Legenda: Imagens feitas em 2014 das ruínas velha cidade de Jaguaribara
Foto: Kid Jr

Naquela época, os primeiros indícios foram os postes de energia elétrica (sem rede e fios), seguiam erguidos na área da velha cidade. Depois, moradores encontraram outros rastros:  a antiga caixa d’água no bairro São Vicente, que abastecia a cidade, caída, mas não completamente destruída. 

“A curiosidade das pessoas surgiu assim que surgiram os postes. Na época que a barragem pegou água, ela encheu muito rápido e não deu tempo de fazer a demolição dos postes. Eles ficaram isolados. Quando o Ceará passou por oito anos de estiagem, o Castanhão começou a baixar o nível muito rápido e os primeiros sinais foram os postes aparecendo”.
Gil Magalhães
Morador de Jaguaribara e guia turismo

Outro monumento que reapareceu, na época, foi a edificação que celebra Tristão Gonçalves, uma coluna com cerca de 3 metros erguida em 1924 no povoado de Santa Rosa, em Jaguaribara, e hoje na área de Jaguaretama. A homenagem foi estruturada pelo Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará (IHGA) no local próximo onde o militar teria sido assassinado. 

Um dos lados do monumento tinha uma placa de bronze com os dizeres: “neste local, sucumbiu Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, o heróico presidente da Confederação do Equador no Ceará – 31 de outubro de 1824 – homenagem do Instituto do Ceará”. Quando as águas do Castanhão sobe, o monumento desaparece. Naquela baixa, a edificação também reapareceu. 

“Isso foi bacana pra gente pois começou a ter um fluxo de turismo muito bom para cá para região, não só para a Jaguaribara velha, mas para toda a região”, acrescenta o guia.

Legenda: Imagem aérea da velha Jaguaribara
Foto: Centro de Documentação do Sistema Verdes Mares (Cedoc)

castanhão

O que é possível ver no local atualmente?

A equipe do Diário do Nordeste esteve na cidade velha na última semana de janeiro. Naquela ocasião, o Castanhão estava com pouco mais de 27% do seu volume. Para chegar ao local partindo da cidade nova, foram percorridos cerca de 36 km de rodovia e 18 km de uma estrada carroçal (na qual ainda há pouquíssimas marcas remanescentes de asfalto) que dá o acesso direto à antiga cidade. 

Na área, mesmo com a demolição e a inundação, o traçado das ruas permaneceu e ainda é possível ver o calçamento, além de estruturas um pouco mais elevadas como canteiro central da rua de entrada da antiga cidade, alicerces de casas; resto de telhas encobertos por vegetação.


Legenda: Ruínas da velha Jaguaribara em 2025
Foto: Ismael Soares

Destroços de uma grande caixa d’água ainda seguem na região, mas em uma área afastada da estrada principal. Assim como o piso do ginásio da cidade. Na via de entrada há também uma parada de ônibus, o elemento vertical remanescente no local. 

Desde agosto de 2013, quando açude estava com 50% do volume, nunca mais essa proporção aumentou. O pior ciclo foi em 2018, quando o açude atingiu o volume morto ficando com pouco mais de 2% de água armazenada. 

“Hoje a gente consegue fazer um trabalho de acompanhamento pela porcentagem do Castanhão. Se a porcentagem tiver menos que 30%, às águas não podem cobrir a cidade por inteiro. Com 40% ela já fica submersa. Quando ela tava cheia, na cota 106, a gente conseguiu medir a profundidade e nessa altura da cidade antiga estava 22 metros”.
Gil Magalhães
Morador de Jaguaribara e guia turismo

 

As ruínas converteram-se em monumento histórico, mas embora tenham um apelo ligado às memórias da população, não há nenhuma rota formal e oficial de visitação. Segundo o guia, Gil Magalhães, hoje já há uma discussão com a gestão municipal para estruturar percursos turísticos para o local e para o monumento de Tristão Gonçalves. A distância entre a cidade velha e a estrutura é cerca de 3 km.  

Diário do Nordeste entrou em contato com a Prefeitura de Jaguaribara quando esteve na cidade. Na ocasião, a gestão optou por não conceder entrevista  gravada. Solicitou as perguntas e foram enviadas por whatsapp. Mas, até a publicação desta reportagem não houve resposta. 


Legenda: Imagens aéreas do território da velha Jaguaribara
Foto: Gil Magalhães/Acervo Pessoal

castanhão

Ruínas como permanência

Para quem já nasceu na nova sede, como Clarisse Araújo, 18 anos, que foi Miss Jaguaribara 2023, visitar as ruínas da velha  cidade é encontrar-se com a própria história. 

“Meus pais moravam em uma comunidade na antiga cidade. Eles foram realocados em uma comunidade daqui conhecida como Mandacaru (um assentamento rural nas proximidades da área urbana), onde tem um projeto de agropecuária. Meu pai sempre fala que lá era melhor”, destaca ela. 

Na percepção dos jovens, um dos pontos de maior conexão entre os moradores e o território na antiga sede, relata ela,  é a relação com o Rio Jaguaribe. “Quando era criança minha mãe ainda tinha a tradição de ir para o rio lavar roupas”, completa. 


Legenda: Imagens da velha Jaguaribara e moradora da nova cidade, Clarisse Araújo - Foto: Ismael Soares

De acordo com ela, para os jovens essa memória é refletida através do repasse oral em conversas com moradores mais velhos e no campo formal, em atividades nas escolas municipais, sobretudo, nos meses de  março e setembro, quando há datas comemorativas referentes a efemérides da cidade. 

“Eu tenho 18 anos e não vivenciei experiências na antiga cidade, mas eu já fui miss e estudei bastante sobre a cidade. Eu sinto um pertencimento. No final de 2024, levei uma turma do Rio Grando do Norte para visitar a cidade velha e foi maravilhoso. Assim, não temos muitas coisas mais lá, tem o meio fio, as ruínas, e muito mato cobrindo muita coisa. Mas ter aquela experiência de pelo menos pisar no mesmo chão que muita gente pisou, muita gente viveu, morreu, é muito importante. A gente sente.”, avalia Clarisse. 

Diário do Nordeste